Factum Principis(1)

Fato do príncipe e pandemia: questões de reconhecimento

Certamente, o impacto da pandemia ocasionada pelo coronavírus trará consequências econômicas e deverá atingir o Judiciário com várias demandas nos próximos meses, face o aumento de ajuizamento de ações, onde muitos debaterão a responsabilidades sobre contratos rompidos, inclusive trabalhistas, e muito se ouvirá falar do fato do príncipe.

Mas o que significa esse expressão?

A expressão “fato do príncipe” ou factum principis, é bastante utilizada no Direito Administrativo, e a doutrina de um modo geral, preleciona que o fato do príncipe é o poder que o poder público tem de alterar unilateralmente um contrato administrativo, e tomar medidas gerais que não estão vinculadas a contratos administrativos, causando um desequilíbrio econômico-financeiro para o contratado.

A partir desse entendimento, é que se discute se as medidas administrativas que foram impostas relacionadas com o estado de calamidade pública no país, decretadas em função da epidemia, poderiam, ser consideradas fato do príncipe.

Para que se proponha uma ação em face do ente público amparado no fato do príncipe, é necessário demonstrar que o ato estatal tenha sido produzido em descompasso com a realidade vivida, ou seja, seja imprevisível.

É preciso reconhecer algumas situações para que haja o dever de indenizar pela administração, dentre elas:

a) deve-se comprovar que a ação estatal aumentou encargos sociais, havendo nexo de causalidade direta, ou seja, um elo de ligação entre a medida estatal e o aumento dos encargos sociais;

b) a atuação administrativa deve ter distribuído encargos de forma desigual para os cidadãos;

c) o aumento de tais encargos sociais deve ser significativo. Obviamente que essa não é uma fórmula e são muitas as situações concretas a se avaliar.

Relembre-se que essa a discussão é com relação ao fato do príncipe e seu reconhecimento na pandemia, sendo que são muitos os fatos a serem avaliados,  pois as medidas estatais apontadas como restritivas são lícitas, e estão, nesse momento concatenadas com a lei que as autoriza e com as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Pois bem, qual seria então a diferença entre fato do príncipe, caso fortuito ou força maior? A resposta não é tão simples.

O Código Civil tratou de ambos os institutos no art. 393:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

De um modo geral, o caso fortuito se traduz como o acontecimento natural ou que advém de forças da natureza, (raio do céu, a inundação, terremoto, etc.), sendo um fato alheio à vontade da parte.

Alguns doutrinadores por sua vez, como é o caso de Carlos Roberto Gonçalves defende que caso fortuito é uma expressão que se utiliza quando se tratar de fato/ato alheio à vontade das partes, ligado ao comportamento humano, como greve, guerra, e força maior seriam acontecimentos externos ou fenômenos naturais, fato do príncipe (fait du prince) etc.[1]

A partir desse entendimento, muitos doutrinadores encaram a pandemia como força maior e trazem explicações teóricas festejadas para as justificar. 

Entretanto, a questão é que há muitos posicionamentos doutrinários sobre o conceito de caso fortuito e de força maior. De todo modo, como informa o texto da lei civil, (artigo 393) tanto o caso fortuito, quanto a força maior, impedem a configuração da de responsabilidade.

A expressão fato do príncipe também é utilizada no Direito do Trabalho, e necessita de alguns requisitos para ser reconhecido, dentre eles destaca-se:

a) imprevisibilidade do evento;

b) a impossibilidade de resilição;

c) a ausência de concurso direto ou indireto do empregador no acontecimento

d) o evento precisa afetar substancialmente a situação econômica-financeira da empresa.

Esse debate no âmbito laboral, vai muito além da questão contratual em si, mas passa pelo responsabilização do Estado em razão das demissões causadas pelo coronavírus, isso porque, o art. 486 da CLT traz uma previsão sobre o fato do príncipe, lecionando ser uma ação unilateral do Estado que provoca efeitos sobre as pessoas, dificultando severamente o cumprimento de obrigações.

O exemplo prático disso seria a determinação de fechamento de estabelecimentos e seus impactos, a dificuldade de continuidade com os negócios, e as demissões geradas pelo encerramento das atividades.

Tanto no campo do direito administrativo, quanto no campo do direito laboral, é difícil distinguir o fato do príncipe do caso fortuito ou força maior

Doutrinadores que apontam as diferenças, ressaltam essa dificuldade; principalmente na esfera  trabalhista, pois a CLT, como exposto admite que diante da força maior, empregados demitidos sem estabilidade ou e em contratos por prazo indeterminado, receberão metade das verbas indenizatórias que teriam direito caso a rescisão ocorresse sem justa causa.

Vez mais, é importante se atentar para o caso real e a interpretação da lei, analisando o contrato firmado com os entes públicos e o fato do seu rompimento ter ocorrido unilateralmente pela administração. De todo modo, são raros os casos de procedência da ação calcadas no Fato do Príncipe, como excludente da responsabilidade do empregador, caso em que o Estado estaria obrigado a indenizar todos os danos sofridos.

Defensores dessa inaplicabilidade argumentam que o risco da atividade econômica é integralmente do empregador, na forma do previsto no art. 2º, §2º da CLT e no art. 170, III da CF, e por isso, essa obrigação não poderia ser imposta a um terceiro.

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 385.


Por Michele Cerqueira

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