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Liminar proferida em 15 de junho de 2020 pela justiça do Rio de Janeiro suspende efeitos da Lei de descontos de mensalidades

Nesta segunda-feira, 15 de junho de 2020, a 6ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, em decisão da lavra da Juíza Regina Chuquer, proferida no Mandado de Segurança Coletivo nº 0120089-49.2020.8.19.0001, impetrado pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado do Rio de Janeiro – Sinepe RJ, DEFERIU LIMINAR para suspender os efeitos da Lei Estadual nº 8.864/2020, que havia previsto a imposição linear de descontos nas mensalidades de todas as escolas particulares no estado do Rio de Janeiro.

Na mesma linha do que já acontecera no estado da Paraíba.

Onde teve lei semelhante suspensa na semana passada por decisão do Tribunal de Justiça daquele estado, nos autos da Adin 0807102-51.2020.8.15.0000, a decisão da Justiça do Rio de Janeiro reconheceu a incompetência material dos estados para legislar sobre matéria contratual, na mesma linha do que já decidira o Supremo Tribunal Federal em no mínimo outras 2 oportunidades, nas Adin’s 1007 e 1042. Nessa linha, a Justiça do Rio de Janeiro reconhece que os estados não detém competência para legislar sobre os contratos educacionais, sendo competência privativa da União. Tal qual ocorrera nas hipóteses dos dois julgamentos realizados pelo STF a mera argumentação de que se estaria a tratar de direito do consumir não convenceu o judiciário do Rio de Janeiro, o qual reconheceu que na verdade se estaria a tratar de matéria contratual.

A ação enfrentou a constitucionalidade da lei estadual em face da Constituição Federal de 1988, e a violação à competência estabelecida no art. 22, I, onde seria competência privativa da União a edição de lei sobre contratos e outras matérias de Direito Civil.

Outras irregularidades

Em que pese a decisão não tenha necessitado enfrentar as demais inconstitucionalidades contidas na lei, já que declarou a ausência de competência material para editar lei com aquele conteúdo, ainda existiam outras irregularidades na lei do Rio do Janeiro que poderiam ter sido destacadas pelo Poder Judiciário, tais como a inconstitucionalidade existente em face do art. 22, I, da CF/88, na tentativa da lei estadual vincular questões de natureza trabalhista, como a garantia de emprego aos trabalhadores da educação, à norma que pretendia regular contratos educacionais. Situações semelhantes já foram julgadas pelo STF, como por exemplo no julgamento das Adin´s 4820 e 5739, não sendo aceito que o legislador estadual invadisse a competência exclusiva da União para editar leis sobre Direito do Trabalho, mesmo de forma indireta ou oblíqua.

Outra evidente irregularidade no texto da lei do estado do Rio de Janeiro era sua pretensão em impor descontos nas mensalidades de forma retroativa, ou seja, incidindo em situações pretéritas, já consumadas, em flagrante violação a parâmetro da irretroatividade legal e do respeito ao ato jurídico perfeito inscrito no art. 5º, XXXVI. Novamente, o STF já teve a oportunidade de se pronunciar inúmeras vezes sobre esses excessos perpetrados pelo legislador, afirmando, inclusive, que a incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo, estando desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas (STF. AgR 363.159 – Rel. Min. Celso de Mello).

Flagrante Inconstitucionalidade

A decisão, finalmente, reconheceu que a lei do estado do Rio de Janeiro incorre em flagrante inconstitucionalidade por realizar atividade interventiva no domínio econômico para além dos quadrantes constitucionalmente estabelecidos, sendo certo que o constituinte realizou a previsão do respeito à livre iniciativa e da livre concorrência como regra (arts. 1º, IV e 170, caput e IV), identificando as hipóteses excepcionais em que esses princípios poderiam ser recalibrados (Adin 319 – Min. Moreira Alves).

Não se vislumbrou que a lei estadual estivesse a reprimir abuso de poder econômico, ou que visasse reprimir a dominação dos mercados, ou a eliminação da concorrência ou, ainda, o aumento arbitrário dos lucros, de sorte a se franquear ao legislativo a invocação da exceção prevista no §4º, do art. 173, da CF/88. O reconhecimento dessa circunstância é importante posto que ainda que se pudesse ultrapassar a questão da competência federativa para a edição da norma, não se verificariam as circunstâncias excepcionais no caso concreto a autorizar que o legislador interferisse na formação do preço dos contratos, forma de cobrança, concessão de descontos, etc.., na esteira do que o STF já teve oportunidade apreciar e declarar na decisão preferida no RE nº 567766 – Rel. Min. Carmen Lúcia.

A edição de lei não pode ser uma atividade dissociada da realidade circundante

Finalmente, em que pese a decisão deste dia 15 de junho de 2020 não tenha necessitado enveredar por outras irregularidade, sempre é importante esclarecer que a edição de lei não pode ser uma atividade dissociada da realidade circundante, devendo atender aos parâmetros constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e adequação, para que possa ser tida como constitucional. Assim, a teórica possibilidade, restrita, de diminuição momentânea da proteção à livre iniciativa, livre concorrência e até mesmo à isonomia de tratamento, não está franqueada ao legislador a qualquer tempo, de qualquer forma e com qualquer intensidade.

Nessa medida, a imposição de descontos gerais, lineares, de forma ampla e abstrata, dissociada de parâmetros que demonstrem a efetiva situação em que se encontram os contratantes, desamparada de qualquer estudo prévio de impacto ou de quaisquer dados que demonstrem a situação sobre a qual se legisla, denota a absoluta ausência de demonstração do cabimento da atividade interventiva do Estado.

Em que pese se saiba que não se deve interpretar a Constituição a partir da legislação ordinária

No mínimo o alerta trazido pela Lei Federal 13.874/2019 deve ser destacado, especialmente quando em seu art. 5º estabelece a necessidade de prévios estudos de impacto regulatório quando da edição de atos normativos que atinjam interesse geral de agentes econômicos.

Sobre esse ponto, aliás, a SENACON – Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública emitiu nota técnica em duas oportunidades alertando o perigo em se intervir em termos gerais e genéricos numa relação como a existente nos contratos educacionais, vaticinando não ser a medida adequada para o caso (Notas Técnicas 14 e 26 de 2020).

A inadequação da ferramenta interventiva também foi objeto de alerta pelo próprio CADE, retratado na Nota Técnica 17/2020.

Assim, verifica-se com clareza que a eleição de percentuais destituídos de qualquer fundamentação técnica, aplicados em caráter geral e linear, não preenchem a hipótese excepcional criada pela CF/88 para que se realize uma intervenção no domínio econômico, vulnerando os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e isonomia.

A íntegra dessa decisão (e de outras proferidas nos diversos estados da federação) poderá ser acessada em nosso site.

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