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Vacinação obrigatória e consequências do descumprimento no contrato de trabalho

Na semana que passou voltou à tona o debate sobre qual seria o entendimento jurídico correto sobre as atitudes tomadas por certos empregados que se recusam a realizar sua vacinação, mesmo estando cientes dos protocolos de segurança e tendo vacinas disponíveis. Referido debate retornou especialmente diante da divulgação do julgamento realizado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos do processo 1000122-24.2021.5.02.0472, no qual confirmou-se a legalidade da dispensa por justa causa de empregada que se recusou a tomar a vacina para proteção frente à Covid-19.

Referido julgamento confirma a opinião que já havíamos externado em momento anterior,

Quando avaliamos se a vacinação contra a COVID 19 seria obrigatória no Brasil e quais seriam as potenciais consequências de um eventual descumprimento dessa potencial obrigação por parte dos empregados que atuam no setor privado, caso já estivessem aptos a serem imunizados.

Tendo em vista a absoluta relevância da questão e a efetiva complexidade jurídica (política e ética) da resposta, esclarecemos de saída que o assunto já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, o qual no Recurso Extraordinário ARE 1267879 SP estabeleceu:

“É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.

O STF ainda reforçou esse entendimento ao apreciar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6586 e 6587, explicitando as seguintes diretrizes:

“I – A vacinação em massa da população constitui medida adotada pelas autoridades de saúde pública, com caráter preventivo, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade de rebanho, com vistas a proteger toda a coletividade, em especial os mais vulneráveis.
II – A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas.
III – A previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2º do art. 3º, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes.
IV – A competência do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunização não exclui a dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia decorrente do novo coronavírus, em âmbito regional ou local, no exercício do poder-dever de “cuidar da saúde e assistência pública” que lhes é cometido pelo art. 23,
II, da Constituição Federal.
V – ADIs conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, de maneira a estabelecer que: (A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.”

Pautados nesse conjunto de pronunciamentos

Tem-se por clara a compreensão do STF no sentido de que a vacinação da COVID 19 em termos obrigatórios é constitucional, desde que estipulada no Plano Nacional de Imunizações – PNI, ou estipulada em lei.

Portanto, e na linha do que o próprio Supremo Tribunal Federal ressaltou, no Brasil, o marco legal da vacinação obrigatória já fora institucionalizado pela Lei 6.259/1975, regulamentada pelo Decreto 78.231/1976, diplomas normativos que detalharam a forma como o Programa Nacional de Imunizações seria implementado no País.

Dentre outras disposições, o Regulamento estabeleceu que é “dever de todo o cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória”, ficando dela dispensadas apenas as pessoas que apresentassem atestado médico de contraindicação explícita (art. 29 e parágrafo único).

O Ministério da Saúde,

Por intermédio da Portaria 597/2004, que instituiu os calendários de vacinação em todo o território nacional, ainda definiu como se daria, na prática, a compulsoriedade das imunizações neles previstas:
“Art. 4º O cumprimento da obrigatoriedade das vacinações será comprovado por meio de atestado de vacinação a ser emitido pelos serviços públicos de saúde ou por médicos em exercício de atividades privadas, devidamente credenciadas pela autoridade de saúde competente […]

Art. 5º Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação do atestado de vacinação, nos casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando forem apresentados de forma desatualizada.
§ 1º Para efeito de pagamento de salário-família será exigida do segurado a apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II e III desta Portaria.
§ 2º Para efeito de matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade o comprovante de vacinação deverá ser obrigatório, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.

§ 3º Para efeito de Alistamento Militar será obrigatória apresentação de comprovante de vacinação atualizado.
§ 4º Para efeito de recebimento de benefícios sociais concedidos pelo Governo, deverá ser apresentado comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.
§ 5º Para efeito de contratação trabalhista, as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria”.

Importante que se destaque que aqui não se está a falar “imunização forçada” e sim “imunização obrigatória,

A qual é levada a efeito por meio de sanções indiretas, consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de certos locais.

Importante destacar que constitui crime, segundo o art. 269 do Código Penal “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, mesmo que nossos Tribunais entendam que face aos princípios da proporcionalidade e ofensividade, somente se caracterize o crime quando haja prova do “perigo concreto”, não bastando, pois, a simples infração.

Portanto, referidas condutas gerais poderão no caso concreto não constituir “crime”, mas certamente constituirão “INFRAÇÃO”, de menor magnitude em termos de potencial ofensivo, mas ainda assim serão INFRAÇÃO – civil, administrativa, trabalhista, etc…

Portanto, realizados referidos esclarecimentos, muito bem lembrados no julgamento proferido pelo STF, a rigor, a previsão de vacinação compulsória contra a Covid-19, determinada na Lei 13.979/2020, não seria sequer necessária, porquanto a legislação sanitária, em particular a Lei 6.259/1975 (arts. 3º e 5º), já contemplava a possibilidade da imunização com caráter obrigatório. De qualquer forma, embora não traga nenhuma inovação nessa matéria, a Lei 13.979/2020 representa um reforço às regras sanitárias preexistentes, especialmente em termos de explicitação de comandos.

Nessa medida, importante o destaque realizado pelo STF ao reforçar a existência de consenso entre as autoridades sanitárias de que a vacinação em massa da população constitui uma intervenção preventiva, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e provocar imunidade de rebanho, fazendo com que os indivíduos tornados imunes protejam indiretamente os não imunizados. Com tal providência, reduz-se ou elimina-se a circulação do agente infeccioso no ambiente e, por consequência, protege-se a coletividade, notadamente os mais vulneráveis.

Aliás, nas exatas palavras do Relator, Min. Lewandowski, “a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão beneficiárias da imunidade de rebanho”.

Feitas as considerações prévias sobre os contornos jurídicos da questão, e estando claro o fato de que a vacinação da COVID se encontra prevista no Plano Nacional de Imunizações, entender-se-ia que sob o ponto de vista legal o ATO DE NÃO SE VACINAR (estando apto a ser vacinado e tendo sido disponibilizada vacina para seu grupo etário ou profissional…) SERIA UM ILÍCITO (civil, em princípio).

Avaliando as consequências desse ilícito CIVIL no âmbito das relações de trabalho, surgiriam as indagações sobre ser esta mesma infração também uma infração de natureza TRABALHISTA.

Poder-se-ia entender que esta obrigação civil e cidadã, como um dever de solidariedade para com os demais cidadãos, a sociedade, os colegas de trabalho e todos os que com ele tenham contato no âmbito da relação de trabalho, também passaria a ser uma OBRIGAÇÃO DE NATUREZA TRABALHISTA (para os empregados).

Reiterando as palavras do Min. Lewandowski, “a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão beneficiárias da imunidade de rebanho”, sendo em nosso sentir igualmente aplicável referida máxima quando se analisam as relações estabelecidas no ambiente de trabalho.

Portanto, a obrigação em questão além de obrigação civil e obrigação cidadã, é também obrigação em face do contrato de trabalho, sendo que seu descumprimento certamente impõe consequências igualmente no âmbito do contrato de trabalho.

Juridicamente o descumprimento de obrigações gerais no âmbito do contrato de trabalho são consideradas como atos de indisciplina.

O descumprimento de obrigações contratuais específicas, referidas às relações de trabalho de cada trabalhador (materializadas ou não em texto expresso), são considerados atos de desídia.

Finalmente,

Se o empregador esclarece diretamente a um empregado suas obrigações gerais e suas obrigações contratuais, e a partir destas impõe um comando específico que é descumprido pelo empregado, estar-se-á diante de um ato de insubordinação.

Todas as condutas acima indicadas poderão determinar o sancionamento do empregado diante da infração cometida, podendo se chegar ao sancionamento máximo da ruptura do contrato de trabalho “por justa causa”, com base no art. 482, “e” e “h” da CLT – analisado, naturalmente, o caso concreto.

Essa diretriz vai ao encontro, inclusive, do pensamento esposado pelo próprio Ministério Público do Trabalho, em seu Guia Técnico publicado em Janeiro/2021 e produzido pelo Grupo de Trabalho Nacional – GT – COVID-19 (p. 61):
“Diante de uma pandemia, como a de Covid-19, a vacinação individual é pressuposto para a imunização coletiva e controle da pandemia. Nesse contexto, se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, pode-se caracterizar ato faltoso, nos termos da legislação. Todavia, a empresa não deve utilizar, de imediato, a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador sobre os benefícios da vacina e a importância da vacinação coletiva, além de propiciar-lhe atendimento médico, com esclarecimentos sobre a eficácia e segurança do imunizante.”

Com base nessas considerações

Temos recomendado aos empregadores que adotem providências prévias em termos de publicidade e acesso à informação, de sorte que a decisão de cada empregado possa ser tomada de forma consciente e informada, especialmente em relação às consequências que poderão advir de sua decisão. Em síntese seriam estas as recomendações a serem seguidas:
1) Divulgar amplamente o posicionamento expressado pelo STF, acima referido, para que seja cumprido com o constitucional requisito do direito à informação;

2) Explicitar ao conjunto dos trabalhadores o posicionamento do empregador relativamente às consequências que poderão advir na hipótese da não realização da vacinação contra a COVID 19, caso já estejam disponíveis as vacinas para o seu grupo etário ou profissional;
3) Solicitar ao conjunto dos empregados a apresentação frente ao RH da Instituição de Ensino do comprovante de vacinação contra a COVID 19, para acompanhamento do dever cidadão-trabalhista de auxiliar a sociedade na ampliação acelerada da efetivação da proteção coletiva;
4) Após a efetivação das cautelas acima esclarecidas, determinar o eventual sancionamento do empregado diante da infração cometida, podendo se chegar ao sancionamento máximo da ruptura do contrato de trabalho “por justa causa”, com base no art. 482, “e” e “h” da CLT – analisado, naturalmente, o caso concreto;
5) A decisão pelo eventual sancionamento e sua específica intensidade é decisão exclusiva de cada empregador, sopesando todos os fatores que estarão envolvidos nessa decisão.

Diego Felipe Muñoz Donoso

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